Antídoto

Sento-me no banco do jardim, banco riscado por canetas de adolescentes, temporariamente felizes, e cheio de marcas, fundas e feias, feitas a faca afiada ou simples caneta inutilizada. Observo-as. São idênticas à minha, feia e funda, que me provoca uma estranha dor no lado esquerdo do peito.
Essa cicatriz que me fizeste com palavras duras, como facas afiadas, turvam-me os olhos castanhos, por vezes cor de esmeraldas. Não quero chorar. Recuso-me a fazê-lo por tua causa. Já verti demasiadas lágrimas por ti, não choro mais.
Sacudo a cabeça, numa tentativa frustrada de expulsar-te dos meus pensamentos. Olho para a água, turva como os meus olhos castanhos cor de esmeralda, que jaz naquele recipiente redondo. Ali permanece, indiferente ao vento cortante que me arrepia e me faz apertar todos os botões do casaco [desde que o calor das tuas palavras deixou de me aquecer, até o dia mais quente me parece gélido].
Foco agora o céu. Reparo nas suas nuvens e relembro, saudosa, o tempo em que as olhava e imaginava dragões e príncipes, numa luta desenfreada entre o bem e o mal - onde o primeiro vencia sempre, de forma inquestionável.

Olho o céu, ignoro o barulho provocado pelos escapes fumegantes dos carros que passam, e lembro-me das palavras duras que disseste, as tais que me provocaram esta cicatriz. Foram as tuas palavras que me fizeram mudar de rumo, afastaram-me do trilho que seguia para ti.

Não te despeças com um 'até breve, vai dando notícias...'. Preferia que me desses um adeus definitivo, sem perigo de encontrar-te por ruelas estreitas e desordenadas!

Voltas no fim da noite, consciente da cicatriz que me fizeste.

Agora as tuas palavras já não são um antídoto eficaz para tamanha dor.