Há metáforas que são mais reais do que a gente que anda na rua. Há imagens nos recantos dos livros que vivem muito mais nitidamente que muito homem e muita mulher. Há frases literárias que têm uma individualidade absolutamente humana. Passos de parágrafos meus há que me arrefecem de pavor, tão nitidamente gente eu os sinto, tão recortados de encontro aos muros do meu quarto, na noite, na sombra, (…). Tenho escrito frases cujo som, lidas alto ou baixo – é impossível ocultar-lhes o som – é absolutamente o de uma coisa que ganhou exterioridade absoluta e alma inteiramente.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
É isso que sinto. Por mais que recuse ler as palavras que me escreveste naquela carta inesperada, elas ficaram gravadas na minha memória e no meu coração, e – apesar de parecer doentio – acho até que se cruzam, por vezes, comigo na rua. E talvez passem a seguir a ti, talvez se escondam na tua sombra para que só eu as veja.
Por mais que tente ver-te só como amigo, o nosso passado continua muito presente. Não consigo olhar para ti, ou falar contigo, sem que a voz me trema e me lembre de como me sabiam bem os teus beijos. Talvez seja uma questão de tempo até aprender a lidar contigo dessa forma distante - e necessária. E, tu que já sabes tanto da vida, diz-me: de quanto tempo é que preciso?
eu adoro tanto tanto o Livro do Desassossego. e também me revejo nesta passagem.
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