Mais do que amigo, irmão

Já perdi, na verdade, a conta aos momentos que passamos juntos meu caro Curi. Desde que vim morar para cá que me lembro de te ter a animar as minhas férias, como só tu sabes fazer. Recordo, deste Verão que finda, um episódio que arriscaria intitular como o mais importante de sempre.

Sei que vínhamos daquela pizzaria que adoramos e à qual fazemos sempre questão de voltar.
Ao fim de umas horas, com o coração já quente, não só pela sangria tomada, como pelas imagens gravadas que se converterão em memórias daqui por uns tempos – e que começam já a deixar saudades – chegámos ao nosso destino. Tu estavas ao volante, eu ao teu lado, pois fizeste questão de ir levar-me a casa depois de deixá-los perto da tua. Estacionaste junto das escadas que dão acesso ao meu palácio de princesa e ficámos os dois a olhar um para o outro. Colocaste o teu ar sério – aquele que pões quando queres falar de algo que te inquieta – e disseste-me:

- Não gosto quando estás assim… Fico preocupado. Às vezes andas mesmo animada, super feliz. Depois, basta alguém falar nele, dizer algo que ele tem por hábito dizer-te para ficares logo em baixo. Talvez o resto do pessoal não tenha percebido nada, tu tentaste disfarçar, mas eu conheço-te bem… Sinto logo que não estás bem, perdes logo essa luz que te é característica.
Não fiques chateada comigo mas acho que gostas demasiado dele… Não gosto de ver-te assim, ficas sem brilho

Pedi-lhe que não se preocupasse, não ando assim tão em baixo como ele pensa. Ainda me resta muito brilho e, qualquer dia, volto a brilhar como antes…
Tive vontade de soltar aquelas lágrimas que teimavam em marejar-me os olhos, mas resisti. Não queria que ele me visse chorar… Não tenho o direito de não brilhar e tirar-lhe o brilho também.
- Eu gosto muito de ti sabes? Mesmo quando tu pensas que eu não gosto, quando me sentes mais distante ou quando amuo contigo. Se não gostasse de ti, não amuaria porque me estaria a borrifar para aquilo que fazes… Vou gostar sempre muito de ti meu querido e não te quero preocupado.
Sei que não achas bem que o meu coração ande a dar amor a quem não quer, ou não sabe se quer, ou quando quer. Sabes bem que não consigo controlar…
Posso não ter aquele brilho que tinha antes mas continuo forte.

Ele sorriu. Sei que se preocupa muito comigo e que só quer ver-me bem. Mas senti que havia algo mais… Tinha mais alguma coisa.
Ficámos os dois a olhar um para o outro e pouco e pouco ele começou a falar. Fitei-o calada, fazendo apenas um sinal assertivo com a cabeça para ele ter a certeza de que o ouvia, compreendia e concordava. Ele falou-me do medo daquela data que se aproximava, da insegurança que sentia…

- Sinto que estamos todos com medo. Temos receio do que vem aí, daquela data. Tens medo que tenhamos andado a segurar um máscara, fingindo que nos importávamos. Digo-te para não te preocupares. Se fosse mesmo assim, ninguém choraria a ver os vídeos dos anos anteriores, aqueles em que ele ainda estava presente. Eu acredito, e chama-me o que quiseres, que tudo entre nós, os nove, foi e continua a ser verdadeiro.

Dei-lhe um abraço apertado – aquele que tem mais poder do que todas as palavras de apoio - disse-lhe que gostava muito, mas muito dele, dei-lhe um beijinho e saí. Bati a porta com força para ele não reclamar que nunca a fecho à primeira. Subi as escadas, abri a porta e chorei…


Fez-me bem aquela nossa conversa cheia de compreensão.