30 de junho de 2010

Ainda te sinto em mim

Já passou muito tempo, dizem alguns. Para mim, parece que foi ontem que me ligaram a dizer, com voz trémula a fingir-se forte, 'o caló morreu'.
Decidiste que aquele tão mal afamado dia 11, seria o teu último dia. E não é trágico só por causa dos aviões que nesse dia, uns anos antes, chocaram com aquelas torres altas - quase tão altas como os teus sonhos. Para mim, custa-me olhar para o calendário e passar os olhos pelo mês de setembro - ai de mim se pouso o olhar na data precisa - porque, quando partiste, levaste contigo uma parte de mim.
Quando fechaste os olhos, quando inesperadamente os resolveste fechar para sempre, deixaste-nos a todos, um bocadinho às escuras. A mim falta-me o brilho das tuas palavras, o brilho do teu olhar. E ficaram a faltar-me também as gargalhadas incontidas, os sonhos que partilhava contigo e que nunca pareciam demais, aos teus olhos.
Tu sempre me ensinaste a querer viver da melhor forma, a tornar o Mundo um bocadinho melhor. Tu sempre tiveste as palavras certas para me dizer, quando a vida decidia fazer das dela e deixar-me mais tristinha. Mais do que palavras sempre certas, eu tinha-te a ti. E ao ter-te, tinha um amigo para a vida.
Foi ao perder-te que percebi o que é a morte, foi naquele dia que percebi que quando chega, é para sempre. Não há voltas a dar, não há desculpas que se possam pedir, não há erros a remediar. Assim que fechaste os olhos, naquela tarde, nunca mais voltaste a ver o sol que ilumina as manhãs, esse que tanto adoravas.
Passado todo este tempo - que a mim me parece sempre muito pouco quando as saudades apertam - ainda me custa falar para ti sem utilizar o tempo presente, sem poder planear o futuro.
Sinto que te roubaram de mim, de nós. Sinto que, entre as tuas cinzas, iam também as minhas crenças, a minha esperança num amanhã em que haveria justiça e igualdade. Meu Caló, porque decidiste ir tão cedo?
Já deixei de tentar compreender os teus motivos. Reli a tua última carta tantas vezes que optei por guardá-la, com medo que o constante passar dos meus olhos, apagassem as tuas palavras, como a borracha no carvão. As fotografias, as poucas em que querias entrar, continuam guardadas. Ainda me lembro do quanto refilavas quando insistiamos em fotos de grupo. E sei que o fazias por não gostares de eternizar momentos. Dizias que esses apenas deviam permanecer na memória e que, quando esta decidisse esquecê-los, ficarias contente - sinal de que já havias vivido outros tantos, ainda melhores, que lhes teriam ocupado o lugar. A eternidade só existe no coração meu Caló, isso eu consegui perceber quando te disse adeus.
Se os bons ficassem mais tempo - aquele que merecem - , tu estarias agora, ao meu lado no sofá, a refilar com a fraca programação televisiva. Dirias que tinhas uns filmes excelentes em casa e que não te ias esquecer de os trazer quando voltasses - e nunca esquecias. Irias pedir-me para fazer pipocas porque não gostavas dos estalinhos que elas faziam. Irias queixar-te quando, de um momento para o outro, eu começasse a 'despintar' as unhas porque o cheiro da acetona era 'terrível pah'. Iamos rir quando, num acto de bondade extrema, me ajudasses a pintar as unhas da mão direita - porque sempre fui má a fazê-lo e tu, para rapaz, até te desenrascavas. Eu ia queixar-me quando te levantasses porque sabia que ias lá fora para fumar. E elucidava-te das consequências nocivas de tal acto e dirias, com ar irónico, que quem não quer ser lobo, não lhe pode vestir a pele, ainda que só de vez em quando. Se cá estivesses meu Caló, estariamos certamente a rir com a imitação perfeita que o Curi faz do pato Donald - ainda hoje, quando ele o faz, lhe chamo Curi Donald, como tu tantas vezes chamaste. Se tu aqui estivesses, meu amigo, iriamos planear a construção de uma piscina que nos permitisse esquecer momentaneamente deste calor alentejano sufocante. E partiriamos de mochila às costas, porque eu já tenho 19 anos e tu já terias 21 - e foram essas as idades que estipulámos como limite para a nossa viagem.
Se tu ainda cá estivesses, o meu coração não estaria tão apertado e as lágrimas não estariam a correr com toda esta intesidade. Já não estás ao meu lado mas sei que estás num sítio melhor, porque tu fizeste por merecê-lo.

Por mais tempo que passe, meu amigo, irei sempre lembrar-me de tudo o que de bom vivi e aprendi contigo. A nossa amizade é para sempre, por isso não pode ser só fantasia.

4 comentários:

  1. Adorei ! Está lindo *
    A saudade, a lembrança, a amizade permanece :')
    É lindo, que depois do mal sucedido, ainda te lembres *

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  2. Primeira vez que aqui passo e gostei muito dos posts que vi, principalmente deste aqui. Há amizades que mesmo não durando para sempre, duram eternamente. Lamento o que aconteceu ao teu amigo e que tenhas de ter experimentado a dor de perder alguém que nos é muito querido para sempre... É horrível passar por isso, principalmente quando se trata de pessoas muito novas e não estamos mesmo nada à espera. Também já recebi uma chamada destas e foi a pior chamada da minha vida. Acredito que um dia as lágrimas acabarão por passar e só restarão os sorrisos acompanhados das memórias dos bons momentos passados juntos, mesmo que seja muito difícil.

    Este texto está lindo. Sem querer abusar, força Joana :')

    Já estou a seguir.

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  3. apertou-me o coração x.x

    "Dizias que esses apenas deviam permanecer na memória e que, quando esta decidisse esquecê-los, ficarias contente - sinal de que já havias vivido outros tantos, ainda melhores, que lhes teriam ocupado o lugar." - fabuloso :X

    a minha forcinha vai para ti.

    gostei e estou a seguir. continua

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Desde já Obrigada :)

Only Memories.