19 de agosto de 2010

Felicidade.

Estranhamente, hoje acorda com os olhos verdes. Solta uma gargalhada estridente, que revela a felicidade que tem dentro de si e que não sabe, ao certo, a que se deve. Imagina que vai ter um dia em cheio, que hoje acordou com um único objectivo: ser feliz. E pensa, enquanto estica os braços o mais que consegue e se espreguiça tentando despertar de uma vez, que todos devíamos ter dias assim: em que os sonhos não parecem tão difíceis de alcançar.
Levanta-se da cama sem esforço, contrariando a rotina diária que sempre a obriga a doses elevadas de café e nicotina. Dirige-se à casa de banho, liga a torneira da água quente e tira o pijama. Não se demora no duche. Já havia decidido que hoje ia ser um bom dia e não queria desperdiçar mais nenhum minuto de forma inútil. Escova os cabelos castanhos, um pouco mais claros devido ao sol, o mesmo que lhe tostou a pele e lhe dá agora um ar mais bonito.
Abre o armário e pega no vestido cinzento, o que está mais à mão. Desaperta os botões mas pára no último. Decide ousar. Pega no seu vestido preferido, mas que nunca tem audácia de colocar. Está decidida a fazer a diferença.
Passa pela cozinha, pega numa maça verde e trinca-a. Olha uma última vez para dentro da mala que leva a tiracolo – aquela em que cabe o mundo – e confirma que tem tudo o que precisa: carteira, chaves e óculos de sol.
Desce até à rua e pára em frente ao prédio. Para onde vai? Acordou tão entusiasmada que nem havia ainda pensado nesse pormenor. Decide deixar-se levar pela multidão, simplesmente. E, enquanto desce a rua, indiferente ao trânsito que se acumula, aos encontrões de um e de outro que estão, certamente, atrasados para algum compromisso, repara num rapaz que percorre a rua na direcção oposta, repara no seu cabelo despenteado e nota ainda o desenho que leva estampado na t-shirt negra - pensava ela que luas cheias só existiam no céu. Hoje, no dia em que decidiu ser feliz, percebeu que também há rapazes bonitos que a levam na barriga.
Quando se cruzam, não hesitam em olhar um para o outro. Ela perde-se no azul mar dos seus olhos e ele, por certo, fica curioso se serão verdes ou castanhos os olhos daquela rapariga bonita, de pele clara beijada pelo sol, que leva um vestido amarelo. Olham-se enquanto conseguem e, no último instante em que os seus olhares se cruzam, ela esboça-lhe um sorriso que o faz parar no meio da rua. Indiferente aos empurrões, aos olhe por onde anda!! que lhe gritam aos ouvidos, muitas vezes acompanhados por palavras feias, fica estático, paralisado. Volta atrás, tenta romper o muro de gente que se interpôs entre ele e aquela rapariga de vestido amarelo mas não consegue. Perdeu-lhe o rasto e, teme que, para sempre…
E ela lá vai, com o seu sorriso aberto e o olhar cor de esmeraldas brilhantes. Hoje nada lhe vai tirar o sorriso, nem os piropos obscenos que os calceteiros lhe lançam, nem os meninos cegos e coxos que lhe pedem diariamente uma moeda senhora... Hoje está até capaz de manter o sorriso, mesmo se não encontrar mais aquele rapaz da lua cheia. Mas sabe, por certo, que sorriria com mais vontade se o voltasse a ver.
O calor da manhã de Verão começa já a tornar-se difícil de suportar e decide parar num café, para comer alguma coisa. Entra e senta-se numa mesa perto da janela. Ao olhá-la percebe que há muita vida para além de si: há o homem que corre com uma pasta preta na mão, provavelmente atrasado para uma reunião no Banco; há a senhora, de cabelos já grisalhos, que combate a solidão da sua casa, passeando pela rua em passos vagarosos; há a mãe atarefada, que carrega os sacos das compras numa mão e o filho reguila na outra; há o rapaz do skate, que passou rápido demais para que conseguisse percebê-lo; há a rapariga que passa, com lágrimas nos olhos, a rever no telemóvel, a mensagem que o seu namorado lhe enviou e que dizia que ‘não dá mais… esquece-me' ... Alguém lhe interrompe a análise que faz da selva que fica do outro lado da janela dizendo bom dia, o que deseja tomar?.
Quando resolve tirar os olhos do vidro sujo que a separa da rua e colocá-los no empregado que a está a atender, solta um ah de espanto e o seu coração acelera mais do que seria normal. É ele, o rapaz que levava a lua consigo, o rapaz que a fez mergulhar no mar azul logo pela manhã. Sorriem ambos e ela pede uma meia de leite e uma torrada, por favor... O rapaz, que tem o nome escrito no papel branco que lhe colaram no peito, despede-se com um sorriso largo dizendo é para já. Ela apenas responde Obrigada João.

Passados minutos, o João volta à mesa, com o pão pouco torrado e o leite bem quente – tal como ela gosta. Mal a conhece mas já lhe adivinha os gostos. Quando estava decidido a falar-lhe, alguém o chama de outra mesa. O sorriso murcha-lhe um pouco mas dirige-se rapidamente ao cliente, o que a faz pensar que trabalha ali há pouco tempo, que ainda quer mostrar que é competente.
Tira da sua mala um bloco de notas e escreve um bilhete, que deixa junto ao dinheiro, em cima da mesa. Quando o rapaz volta com o pedido já não a encontra. Vê o dinheiro e pega nele, para fechar a conta. Sorri ao perceber que existe algo mais. Desenrola o papel, segura-o com as duas mãos e sorri ao lê-lo.


Hoje acordei disposta a ser feliz.
Obrigada por me teres feito entender que sou capaz, que a lua não brilha só à noite…
p.s. mais luas cheias hão-de vir.
O rapaz volta a dobrar o papel, guarda-o no bolso das calças e diz, a sorrir, por ti, eu espero o tempo que for preciso.

5 comentários:

  1. Disseste tudo tão bem querida ^.^
    Que sejas muito mas muito feliz Joaninha.

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  2. que lindo que lindo :O sabe bem ler coisas destas pela manhã, querida +.+

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  3. realmente também me lembrei da Invisible, quando li o texto. ela espera sempre acordar assim um dia, em que os sonhos vão parecer tão fáceis de agarrar. :D

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  4. Li os posts hoje de cima para baixo. Quando cheguei a este deliciei-me... Imaginei-me na história como uma mosca que estava ver o que se passava. Está muito, mas mesmo muito bem escrita! Parabéns! Retratar o que retratar, este post é divinal!!!!

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  5. Dupé: É também assim que vejo esta história. Como um ser omnipresente que vê e sabe tudo ou então, algo mais real, como uma mosca que vê os dois lados da história. Muito obrigada pelas tuas palavras e pelos elogios.. às vezes, é mais fácil contar histórias que não as nossas, embora a Lua esteja sempre presente...

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Desde já Obrigada :)

Only Memories.